Comi um pedaço de placenta
que não era minha.
Comi com um bocado de pão
que não fui eu que fiz;
o pão cujo trigo não
foi limpo por mim
nem moído pela minha
força
nem amassado pelas
minhas mãos.
Comi um naco de placenta;
antropofagia lícita
ainda que suja
tão vida quanto o pão!
é resto
excrescência.
Dessa excrescência-mater
nasci em grito;
fui concebida pelo grito
esse que correu pelo mundo
caiu nas bocas silenciosas
das peneiradoras de Coubert
que dão a vida pelo pão
de suas placentas.
O grito correu os tempos
foi parar nas bocas das
Mães da Praça de Maio
que já muita vida perderam.
O grito virou fogo nos sutiãs
atlânticos de 1968;
artefatos de beleza na
sarjeta
pela inteireza da placenta
que é linda!
O grito virou Munch
virou museu
mas não termina de
GRITAR!
O grito, a placenta, o pão
O grito muito
a placenta na valeira
o pão que falta
fala do grito
de não poder parir
um pedaço de alforria.