Sua Preia-mar, zona limite entre a água e a terra, confirma minhas suspeitas: há algo na linguagem dos seus poemas absolutamente inalcançável aos meus dedos, e isso me intriga e fascina como se fosse ler hieroglifos ideogramas em língua estrangeira e isso é poesia, ler em língua estrangeira, ver figuras incompreensíveis que ressoam num lugar profundo, ou que vibram na superfície da pele (acabo de me lembrar o significado de martelo, aquele ossinho do ouvido; será disso que se trata, o martelo debaixo do travesseiro, um modo de proteger-se?).
Admiro a urbanidade dos seus poemas, e o modo como se colocam as palavras lado a lado sem jamais fundir-se, boca de jasmim, cartas-tótem, bolhas-casa, emesmoassextassãoazuisamarelasvermelhasmastemossortepoisosábadoéroxo eodomingoninguémsabe. Seus poemas me dizem sobre viver na cidade, e não compreendo seus poemas pois não compreendo como é viver na cidade, eu que nasci na cidade, mas de repente consigo dizer que viver na cidade é essa angústia de jamais fundir-se, e são seus poemas que me contam que jamais fundir-se é angústia, e que me contam que o que não compreendo de viver na cidade não é a cidade, mas que viver é jamais fundir-se.
É por isso que neste domingo de leitura de Preia-mar te envio em agradecimento um presente estranho para uso do martelo. Ou do travesseiro.
Um beijo,
Ana A.