“Mas ouçamos uma história (outra parábola?):
Um duro homem avança por uma rua
que termina numa floresta como antes na infância
avançara por uma floresta que terminava
numa rua.
Olha para todos os lados mas evita olhar para cima
pois alguém lhe dissera que os humanos
só participam nos acontecimentos
abaixo do nível dos olhos,
e esta expressão – abaixo do nível dos olhos –
torna-se tão forte como a velha expressão
– abaixo, ou acima, do nível do mar.”
(Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, I, 36)
A barca, em suas circumnavegações, segue por muito tempo mirando o mar, e mais nada. O mar, suas cores, suas ondas, suas calmarias, seus sóis, suas luas, suas tempestades. E mais nada. Até que um dia, aparece qualquer sinal de terra. Não o velho continente, mas nova ilha, flutuante, que parece não fincar pedras nas profundezas da terra. Uma imensa vitória-régia em pleno oceano, parece. Mais instável que a nau, que singrava os mares ora com esforço de remos na calmaria, ora com esforço de velas na tempestade. O desterro é o próprio solo, momento-movimento em que é preciso aportar.
E, cheias de coragem, aportamos. A imensa vitória-marinha balança régia sob os pés. Algo será necessário: aceitar a queda, lançar âncora, transferir o lastro do fundo mofado do barco para a nova superfície, e ver se estabiliza sem afundar, ou ainda tomar dos remos da nau e tentar remar a ilha sem leme. Erguer um mastro e continuar olhando as águas, ou deitar-se com os ouvidos no solo para ouvir seu murmúrio.
Tempos de mudança tomam conta da tripulação, e lançam por si mesmos uma pergunta: mudando a paisagem que se vê, muda a criatura que olha?
É possível que, protegendo-nos do rol infinito de novidades, nos agarremos como nunca a um velho modo de olhar. Mas também não é impossível que o novo posto de observação nos permita lançar os olhos de maneira completamente imprevista, risco.
Tripul(s)ante: neste porto, now, como olhas o que vês?