O que resta sem corpo?

Nada.

e me livro com a resposta

de enfrentar o abismo.

 

Nada.

Mas o abismo permanece lá

e mesmo sem me aproximar demais

eu sei.

 

Nada.

e súbito confio

que é possível chegar na borda

e não saltar.

 

Confio

porque uma amiga caiu

primeiro

e me senti tão acolhida

no fundo

rio

em ser a segunda.

 

Era assim:

os amigos sem corpo

e eu tendo que ser só palavra

e que palavra.

 

Fui silêncio

e um olho.

Dois.

 

Arrisquei emojis

gestos

sem peso

‎£ ‎£

vazias de mãos.

 

Rascunhei palavra

era outra

mas se lia o gesto

…dígito…

e restou um coração seco

ciano.

 

Mas uma amiga caiu

salto ornamental

ornitorrinco

clown

tão assim eu

rio.

 

A palavra era só essa:

click en el Cielo

e mira lo que hace.

 

Nada.

 

Palavra corpo.

Nada.

Cielo nada.

 

Rio.

Palavra corpo.

No las creo, pero que las hay.

Si no está mi amiga

en mi

cuerpo cuando río.

 

Pa lavra, cor po.

P                            o.

 

Somos mesmo resto.

O mesmo resto.

Resto.

Res.

ador

por que resistir

se tudo é dor?

por que permanecer e durar e arder e inflamar

tanto

se tudo é dor

ardor

adora

dor?

a dor resta sem o corpo.

é tão resistente

porque barata

traça

pulga.

arde e coça no couro

da alma.

“só a desordem nos une: ceticamente, barbaramente, sexualmente” (Piva trollando Osvaldo)

maré

as imagens ardem

mais uma operação no complexo

encontro com objetos voadores não identificados

as imagens pedem

deslizamento de barreiras legais

as imagens fodem

transformação do vivo em podre

as imagens fedem

execução da progressiva ordem

as imagens podem

 

 

 

check-point

 

aqui

ali

é

n’ação

que separa

 

sequestro relâmpago

tomar o poder

em duas goladas

 

 

transplante

se descolar da imagem total

se abrir um corte preciso

se operar fora-de-si

se perguntar se

na ruína do corpo

é possível operar a arte sem litros de sangue?

 

Augusto de Campos, “CAVE MIDiA$.”In: http://bahia.ba/entretenimento/veja-dois-poemas-ineditos-de-augusto-de-campos/

CAVE CANEM SUM

latido ladino

cachorrada

roubo do osso do mundo

significantes

me alio

com obediência canina

com força animal

ladrando a busca de um lugar no desejo

do outro cão

que eu chamo babando

Sem meu corpo, o que resta de mim?

Sentada no chão

na pedra quente

sentada no corpo

corpo vivo

Vivo

Vi imagens de Alepo

ruínas sobre ruínas

ruínas sob ruínas

jazem jazigos mortos

mortos e mais mortos

corpos

nossa angústia posta a nu

“Uma palavra, se não é absorvida sem resto num sentido, resta essencialmente estendida entre as outras palavras, tendendo a tocar-lhes, sem no entanto se juntar a elas: e isto é a linguagem enquanto corpo.

Resta

Entre

Corpo

“Escrever é o pensamento endereçado, enviado ao corpo – àquilo que o aparta, àquilo que o estranha.”

Se pela máquina

não sinto

Afeto

Abjeção

Paixão

É porque não é o

outro´

do meu corpo

outro corpo

em mim

Sem meu corpo, o que resta de mim?

Fiquei longo tempo pensando

no órgão coração

pensei

num corpo sem órgãos

Como é carregar o coração de um outro?

Bombeando sangue

alimentando a carne

Sopro

Pneuma

E o mormaço persiste na pedra

porque mormaço é

uma palavra linda e morna

muitos sons persistem sob o mormaço

sobre a pedra

meu corpo

Alepo

ruínas e feridas

mortos

corpos e pedras

destroçados anistóricos

corpos de

Alepo

E logo aqui na esquina

da minha servidão

a servidão voluntária

também

Mas não

refiro-me aos

corpos

de cachorros

filhotes ou não

deixados na esquina

da minha servidão

Meu homem me disse

pela manhã

que a Terra é

de chorar

se vista de

um satélite

Lançarão um com sete quilos

apenas com um balão

e células

Corpos celestes

Corpus porcus

na Terra

no corpo

dela

“Síria nenhuma iguala a Síria

Que guardas na tua mente régia.”

Ainda não sei o que resta sem corpo