THE-CLOCK-4

metrópole me atropela
multidão e choque
nada de novo
unhas pretas

recebem-me
selvageria e medo
chagas trabalhadas
em dança sabores olhos
de espuma e gozo

é japão itatuapé

sé na boca do abate
metrô praças imagens
e encruzilhadas fêmeas
madalena mariana margarida
judiths se apressam na pisada firme
pressão de muitos afazeres para reivindicar
o simples deleite da vida líquida

galeria do rock
no centro formigão de vasta quente barriga
criaturas distribuem alhures
furos de eternidade

tem teatro todo tempo

ainda

e nos largos queimam-se bruxas

ainda

afobam-se outras criaturas
da desgraça desforra
do discurso de castração

lá e cá uns também se afogam
nas galerias submarinas
e nas superfícies
atravessam acidentes
rochas pontiagudas
esfolam-se nessas passagens
peles

as ilhas se afastam
todas deslizando num mesmo fundo mar
possibilidades abissais

hesitante eu
na travessia

em qual irei repousar
minha pergunta?

na calçada da bela cintra
esculpida uma bunda cinza
com um pedaço de escroto carvão
emoldurava
a lajota fezes nossos pés
que trotavam em busca de

um tempo recuperado

no décimo oitavo andar
cogumelos e uma fala
rosê quase
sanguínea
expele a bílis de

um tempo perdido

melancolia

pulsa tudo

e uma poeta
diz que
o corpo urge

ainda / estamos em alerta

na trincheira contra
o quê?

estamos em pesquisa
diremos no momento certo
o lugar onde chegamos
e talvez já seja então

passado

trafegamos em discursos
dispersos inexatos
há sinais de ameaça
em todo canto
desconfio de toda sombra
de incredulidade
virá sim esse tempo
de novo?

ainda?

o horror sempre aí esteve, ora direis

sem indicação de saída
apenas uma pergunta
agindo no negativo
ninguém vai indicar a saída?
meu corpo irmão burro não sabe
não consigo articular minha língua

negativo é o desejo

não é isso?

o lacan que disse

não sei se foi isso o que li que ele disse

negativo?

extrapola a falta
estupra a fala
porque nunca
esteve o desejo?
nem no outro?
narciso é isso?
gozo do caldo caótico
obtido das contaminações
de desejos não amortecidos
nunca

ainda?

tudo me confunde
porque uns preferem
príncipes e princesas
às bruxas

ainda

feiticeiras na guerrilha
revisitam clandestinas
nossas delícias fronteiriças e livres
por momentos apenas

dionísios continuam sangrando
do alto de um mundaréu de sacos de lixo
lima barreto lamureia o destino
tanta desdita

solitário ainda

o poeta no lixo
no palco
multidão às avessas

mas as lâmpadas
continuam acesas
no décimo oitavo andar

e há refletores
que projetam luz
sobre as covas

femininas vozes
me cantam do mar
e tudo pode não passar
de uma ilusão
fugidia

sugando
minha vontade
de poder

porque o luto em mim
é silêncio e boicote

o céu está todo azul
há mar em torno
e todos os outros líquidos
tentáculos de polvos libidinosos
luas aguadas em lagoas

na tela entre morro e cidade
alguém apesar da fome
diz que o carboidrato é o veneno da vez
e câncer é apenas falta de oxigênio nas células
regule seu ph
é simples

refugiados palestinos
servem homus e falafel
e na bexiga da calçada
um rizoma móvel
acolhe possíveis garoas
fadas coroas que fingem
circunavegar
ruas tristezas

as armas em punhos
femininos ou masculinos

o (e) é grande motivo
de conflito

sem nenhum acréscimo
a humanidade quer
continuar destroçada
com falo em riste

mesmo assim

eu só queria dizer
bem no início
que alguma coisa aconteceu
no meu coração
quando cruzei a ipiranga
e a avenida são joão

e alguma coisa acontece agora
porque o sol
me agarra por trás
e minhas células
parecem celebrar

um coletivo de éguas
menos caos

nas águas intrauterinas
pausas ardores tumores amores

do meu ladinho
um beija-flor purpurina
fabula um voo cores
e beija brincos de princesas
que adoram seu beijo
e se deixam viver
apenas

nem se importam
ou sabem
do seu nome de princesa
ou de flor
brincos tampouco usam

habito entremundos
um pé em cada ilha
doloridos saltos altos
já sinto o esgaço
a fenda vai separar

meu corpo/ilhas

recomponho em seguida
os pedaços
misturam-se outros
mas nas suturas
ajustam-se as veias
depois é a bênção do iodo
baba de Iemanjá

ainda não sei em qual ilha
depositar meus destroços

entrecoletivos carrego-me
vacinas campanhas de afeto
sem garantias
e letras mínimas ilegíveis
indicam prazos de validade

que ignoramos