o amor é planta

a minha amiga disse que o amor caminha, assim,
como uma planta
e eu pensei ser esta
a metáfora perfeita
para explicar tudo
que cresce na gente
e que a gente não explica
e embrulha o estômago
porque uma coisa que cresce
precisa de espaço
e pra abrir espaço
é precisa limpar a sujeira
de dentro
que é sempre mais difícil
de limpar

se o amor é planta
nasce bem em solo fértil
mas também nasce in vitro
pode ser manipulado
controlado
com a promessa de ficar mais forte
melhor
geneticamente falando
menos propenso a pragas
ou a outros danos
imprevistos

há quem queira prever tudo
até o amor
como se ele fosse via de mão única
como se o outro
fosse eu

há também
quem diga que o amor nasce da distração
da perdição
da correnteza
e que não há como escapar
deleitar-se
é o que resta
lidar com as quedas e com o poço
buscar o fundo
a poção de amor

uma fenda nos separa, meu bem
eu disse
enquanto deitava na pedra salgada
e me banhava de sol
e minha perna esquerda atravessava a fenda
chegando meu pé ao teu lado
de olhos fechados
imaginei a fenda sumindo
imaginei-me apagando a vela
e sentando ao teu lado
para uma farta refeição
se o amor é planta
o preparo do alimento é como o preparo da terra
de onde tudo brota

se o amor é planta
então ele é estrutura
é o primeiro andar do prédio
a porta de entrada
o acesso a todos os cômodos
o elevador que nos leva ao ponto mais alto da torre
onde basta estar
para sentir
vertigem

eu sempre tive medo de altura
mas queria estar no alto
mesmo assim
a vertigem
nunca me impediu de subir na torre

acontece que a torre
de repente
ficou alta demais
e por mais que eu suba
parece que nunca chego lá
e quando olho para baixo
vejo a planta
vejo o amor
me sussurrando palavras que eu não consigo ouvir
porque eu subi demais

acorda, amor
a terra chama
o amor é planta
desce
enquanto eu preparo o nosso alimento
você pode me amar

a Versa erótika: vem comigo?

renda_vermFricção
Expansão
Ebulição
Explosão

Galáxias completas
derramadas de nossas bocas
de nossas vozes
de nossos sussurros
de nossa pele

Vem
encosta sua pele na minha
vem
entra com profundidade no meu
íntimo
fundo
mundo
Oh

Vem
que nós é bem melhor que sós
sem nada nem nós
levamos um pouco mais
de nosso apetite voraz até a
próxima vez
até a liberdade máxima
do Prazer máximo

Vem
encosta em mim
esfrega
esquenta
fica mais
aguenta
não há dor que resista à essa
delícia animal

Não estou falando de amor
não, é um pouco mais fundo
desta vez
expande-te
cresce pra mim
quero te sentir
aqui
aqui
aqui
aqui
debaixo das minhas unhas
ciclônicas.

Cantiga de amiga

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sabe, amiga
eu também pensei um dia
que só os homens podiam
falar de Amor
que para uma mulher
o desejo de amar
era coisa romântica
e eu nunca fui romântica
detestava até mesmo beethoven
e lia na história da sua surdez
a dificuldade de ouvir
que eu mesma sentia às vezes
porque as palavras tinham arestas agudas
e feriam dentro
do que eu não sabia se eram os ouvidos
a garganta, a vagina, o coração, o útero

sabe, amiga
eu também pensei um dia
que só os homens podiam
falar de Amor
que na voz de uma mulher
qualquer história parecia aquela
da princesa raptada por um cavalo
precisando achar divino o sujeito
que esporeava o cavalo
porque afinal era a única maneira
de deixar a torre

sabe, amiga,
eu muitas vezes pensava
ter que me acostumar a viver na torre
para todo o sempre
eu que não desejava o príncipe
conviveria com o claustro e suas paredes
tingidas de cal
eu pálida freira
e as grades que eu amava
porque eram a entrada de ar e luz

sabe, amiga
cheguei a ensaiar também
montar eu mesma no cavalo
tornar-me aquela que desce o chicote
na cavalgadura com brutalidade
e foge e se exila na floresta
claustro mais verde e mais habitado
eu eremita
mas de novo eu ouvia a história da princesa
porque sempre aparecia ali uma bruxa
eu bruxa, fabricando venenos
para enfim matar a mocinha

sabe, amiga
também arrisquei jogar da janela
os cabelos todos em trança
até a beira da estrada
e receber cada cavaleiro andarilho sacerdote
barbeiro caixeiro-viajante cientista
deputado doutor boticário
até ter o mundo dentro de mim
mas o mundo em mim
não era espelho de mim no mundo
e o que restava era a dor
de infinitos natimortos
que sugavam as tetas da bela adormecida
até que ela acordasse aos gritos
pois não convinha à bela
gritar de Amor

sabe, amiga
por muito tempo pensei
que só os homens podiam falar de Amor
e achava intolerável
ouvir os homens falarem de amor
e ter que responder qualquer coisa
da ordem do romance
os romances que eu gostava
eram os da clarice lispector
e não dava pra ser a lóri
as bolas de ulisses me davam náusea

mas sabe, amiga
aconteceu um dia
de eu arriscar umas palavras
sobre o desejo
primeiro o desejo que eu gostava que ardesse
e se consumisse em uma duas três noites
e sempre que me ardia em desejo
ressurgia uma fênix ávida por outro alimento
que eu não sabia nomear

então aconteceu outra vez
de arriscar dizer eu te amo
pra um desejo que eu gostava que durasse
que já ia durando
eu ainda não sabia que o Amor era feito de brasa
uma brasa que se acendia com o vento
e podia queimar se não se cuidasse
uma brasa que quase se apagava
e era preciso passar noites inteiras soprando
o fogo cansa-se, amiga
e também se cansa quem porventura
precisa manter sozinha a brasa acesa
e deve ter acontecido daquela vez
o Amor feito cinza
encontrei algumas vezes o Amor
enquanto andava pelo mundo sem saber bem
o nome do que estava procurando.
mas os homens podiam falar de Amor
e eles sabiam bem o nome daquilo de que fugiam
eles diziam alto no primeiro encontro
palavras que eu não compreendia
para explicar que estavam fugindo do Amor
que não estavam fugindo de mim
que me queriam bem mas o Amor não queriam
e eu assistia aquilo sem compreender bem
porque ainda não sentia nada
sequer parecido com amor

sabe, amiga,
acho que os homens contam entre si
histórias terríveis sobre o Amor
histórias tão terríveis
como as histórias que eles costumam nos contar
sobre uma princesa que espera
e um pobre coitado que precisa correr mundo
pagar sete prendas
trabalhar sete anos
ficar provando que ama
enquanto cala o desejo
de ser a princesa da vez
e só ansiar receber passivo
a notícia de saber-se amado

sabe, amiga
eu vou escrever um poema de Amor
o poema começa com alguém que diz
eu te amo
mas eu acho que o poema não tem fim
porque o Amor é coisa que se derrama
como uma erva cobre chão e sobe no tronco das árvores
o Amor caminha assim, como uma planta
e como uma planta ele precisa de quem o habite
e pra habitar o Amor
é precisa alguma coragem
a persistência de quem lavra
são precisas as nossas palavras
dizendo os Amores
onde a gente deseja viver

acorda, amor

eu queria escrever um poema sobre amor
mas acontece que ele anda escasso
o amor
como objeto
como sujeito
como nós
sem amor

não tenho um Jacob ou um Lukás na minha vida
talvez Adelaide também não
mas ela escreveu sobre eles
para eles
e daí eu fiquei pensando que o último poema de amor que eu escrevi já faz tanto tempo
e que todos os poemas de amor que eu escrevi foram
para ……..
talvez eu nunca mais tenha me apaixonado depois
de ………
– embora eu me apaixone o tempo todo

eu queria escrever um poema que falasse da cumplicidade de um amor
do desejo de seguir juntos
de juntar os cacos a quatro mãos
de cuidar dos cortes
de respirar fundo
e recomeçar
mas eu não quero cair no clichê
e eu nem sei mais falar de amor
– embora eu fale de amor o tempo inteiro

eu não sei porque eu tô chorando
eu só queria escrever um poema sobre amor
mas eu perdi a mão
nestes tempos de revolta
feminismo não rima com romantismo

eu só queria voltar a acreditar no amor
sem perder a linha
que tece a minha história
sem emaranhar-me nos fios
de outros

eu não quero mais recolher os cacos
sozinha
no escuro
chorando
baixinho
para ninguém mais
ouvir

eu não quero mais
masculinidades hegemônicas
apatias, alopatias
ausências cotidianas
e eu nem sei exatamente o que eu quero
mas saber o que não se quer
já é bastante
para hoje

eu só queria escrever um poema sobre amor
mas acontece que o amor anda escondido
em múltiplos casulos anelados
à espera de mãos e corações febris
à espera de um convite aberto
o amor
hiberna

cor de barro

amar é dar aquilo que não se tem
para alguém que não o quer
disse o psicanalista
por que será que são
as mulheres quem primeiro
sofrem com isso?

tá difícil falar de amor
é um esforço um grito uma voz que sai com força
os poetas os literatos intelectos todos homens de bem
aqueles que sempre disseram ter as melhores coisas a trazer sobre o amor
torraram nossa paciência 
dá pra acreditar em tanta merda que se fez
com a imagem desse amor
com cara de nada
pregada nas paredes
dos lares?

tá difícil falar de amor
esse amor-mãe incondicional
que é esse mesmo
que está aí
no imaginário da pátria
que põe em chamas
não em brasas de afeto
nossas terras

vocês, o que têm a dizer?
vocês que sabem
como tem sido
difícil
falar de amor?

eu sei, essa pergunta esse poema já nascem velhos
é o que disseram
nunca foi fácil
quanta coragem 
pra amar mesmo quando
mal se começou a conhecer a vida
era cedo, amor
de amar mesmo quando
se está fora do poema da palavra

agora é difícil
hoje
quando o amor é
o que há de mais necessário
parece que não
temos palavras

mas sabe
é que o amor
não é isso