sinais do grito

quando prendo o grito no sinal
já não sei o que é voz no mundo
raiva ou descontrole
os pássaros prendem o grito o tempo todo
de manhã

quando prendo o grito no sinal
posso ouvir o asfalto estalando
meu nome não foi dito ou ouvido
presa a boca nada acolhe ou descarrega

quando prendo o grito no sinal
meu corpo é lança-chamas
e as cores das minúsculas pedras que se grudaram no meu pulso
na última vez em que vi o mar
aparecem com nitidez
sobre o espelho retrovisor
pedra sobre vidro
o grito prendido é sobre isso

mas que voz é essa que prende o grito?
tenho uma voz que nunca se descola de mim?
quantas vozes é preciso para fazer do grito justiça?
vozes de vozinhas se avizinham
onde dói, a gente não duvida
ela queria ser dançarina
mas não podia
a única bailarina da casa seria a da caixinha de música
que ela amava

o grito no sinal é a voz que sai e aquela que quer sair
a diferença entre nós desaparece no grito
a diferença entre nós grita
quando a gente só queria gozar
de um sinal
sem a memória do grito prendido

é preciso voltar ao momento do grito prendido
uma e outra e outra e outra vez
até o dia em que a ambiguidade da presa se desfaça
como um desenrolar de fios altivos.

Tenho o sobrenome de uma mãe

uma mãe estrangeira

que não me gestou

esse nome se sobrepõe à palavra

que me foi dada de presente como nome

por outra mãe

que tampouco me carregou em seu ventre

esse sobrenome ilha

invadida como todas as mulheres

Ilhas

motivos da guerra dos homens

que nos invadiram sempre

Nesse sobrenome há severidades

que nós, mulheres

guardamos no silêncio

Escolhi esse sobrenome porque é de uma mulher

Longínqua e só, como eu

mas que jamais perdeu

a fortaleza

Muralha que guarda tanta desventura

esse sobrenome me guarda e ainda

em ruínas permanece

Tenho o sobrenome de uma mulher

palavra fêmea

uivo da América Latina que também é mulher

e nós, ilhas e continentes seguimos movendo o mundo dos homens

mas eles sabem da voz

a nossa voz, as ondas e as tempestades cantam na mesma língua e têm a mesma força

Não deixarei descendentes para levarem consigo o sobrenome da mãe

deixo palavras ilhas femininas

marcadas nas páginas onde

sempre escrevemos

na terra arada onde sigo plantando

palavras árvores

palavras sementes

Se a montanha me foi tirada

se a plantação de sonhos me foi ceifada

busco a planície e a sombra da conífera mais alta onde semear sonhos novos

É na severidade da ilha onde nascem as mais belas e menos amargas.

Lua cheia de Setembro