“só a desordem nos une: ceticamente, barbaramente, sexualmente” (Piva trollando Osvaldo)

maré

as imagens ardem

mais uma operação no complexo

encontro com objetos voadores não identificados

as imagens pedem

deslizamento de barreiras legais

as imagens fodem

transformação do vivo em podre

as imagens fedem

execução da progressiva ordem

as imagens podem

 

 

 

check-point

 

aqui

ali

é

n’ação

que separa

 

sequestro relâmpago

tomar o poder

em duas goladas

 

 

transplante

se descolar da imagem total

se abrir um corte preciso

se operar fora-de-si

se perguntar se

na ruína do corpo

é possível operar a arte sem litros de sangue?

 

Augusto de Campos, “CAVE MIDiA$.”In: http://bahia.ba/entretenimento/veja-dois-poemas-ineditos-de-augusto-de-campos/

CAVE CANEM SUM

latido ladino

cachorrada

roubo do osso do mundo

significantes

me alio

com obediência canina

com força animal

ladrando a busca de um lugar no desejo

do outro cão

que eu chamo babando

Sem meu corpo, o que resta de mim?

Sentada no chão

na pedra quente

sentada no corpo

corpo vivo

Vivo

Vi imagens de Alepo

ruínas sobre ruínas

ruínas sob ruínas

jazem jazigos mortos

mortos e mais mortos

corpos

nossa angústia posta a nu

“Uma palavra, se não é absorvida sem resto num sentido, resta essencialmente estendida entre as outras palavras, tendendo a tocar-lhes, sem no entanto se juntar a elas: e isto é a linguagem enquanto corpo.

Resta

Entre

Corpo

“Escrever é o pensamento endereçado, enviado ao corpo – àquilo que o aparta, àquilo que o estranha.”

Se pela máquina

não sinto

Afeto

Abjeção

Paixão

É porque não é o

outro´

do meu corpo

outro corpo

em mim

Sem meu corpo, o que resta de mim?

Fiquei longo tempo pensando

no órgão coração

pensei

num corpo sem órgãos

Como é carregar o coração de um outro?

Bombeando sangue

alimentando a carne

Sopro

Pneuma

E o mormaço persiste na pedra

porque mormaço é

uma palavra linda e morna

muitos sons persistem sob o mormaço

sobre a pedra

meu corpo

Alepo

ruínas e feridas

mortos

corpos e pedras

destroçados anistóricos

corpos de

Alepo

E logo aqui na esquina

da minha servidão

a servidão voluntária

também

Mas não

refiro-me aos

corpos

de cachorros

filhotes ou não

deixados na esquina

da minha servidão

Meu homem me disse

pela manhã

que a Terra é

de chorar

se vista de

um satélite

Lançarão um com sete quilos

apenas com um balão

e células

Corpos celestes

Corpus porcus

na Terra

no corpo

dela

“Síria nenhuma iguala a Síria

Que guardas na tua mente régia.”

Ainda não sei o que resta sem corpo

Primeiro amor

Para Caio F.

Hoje resolvi escrever sobre o dia em que te conheci. Ainda me lembro da tua mão pouco firme pegando na caneta que rabiscava teus livros de pessoas desconhecidas. Era dia de educação física na escola e fazia muito calor. Lembro de suar e de ver suor na tua testa. Eu devia ter onze ou doze anos. Conhecia muito pouco de poesia e menos ainda de putaria. Falo delas porque hoje sei que em tudo te representam, mas naquele dia não foi assim. O que bateu foi o desconhecido. Meu pai me buscou na escola e me levou pra tua última sessão de autógrafos. Ninguém sabia que seria a última, mas talvez tu soubesse. Lembro de ver um machucado na tua cabeça e perguntar pro meu pai o que era. Não lembro da resposta, mas conhecendo meu pai, acho que ele me contou tudo sobre ti naquele mesmo instante. Lembro que tu não sorriu pra mim, mas me olhou com inocência e eu te olhei com curiosidade. Alguns meses depois, tu partiu. Meu pai chorou nesse dia, eu não entendi bem por que, mas deu vontade de te conhecer melhor. Te li por inteiro alguns anos depois. Te desejei em Morangos mofados, mas só me apaixonei de verdade em Os Dragões não conhecem o paraíso. Quis te abraçar em O ovo apunhalado e chorei gotas de chumbo com tua biografia. Ainda te sinto por perto toda vez que escrevo sem pudor.