hoje, no jardim,
tenho palavras novas
com a brutalidade da lâmina
nas raízes daninhas
que não tive forças
para arrancar com as mãos.
_______
Ilustração de “Cavalos mortos permanecem no acostamento”, de Pedro Franz (2017).
hoje, no jardim,
tenho palavras novas
com a brutalidade da lâmina
nas raízes daninhas
que não tive forças
para arrancar com as mãos.
_______
Ilustração de “Cavalos mortos permanecem no acostamento”, de Pedro Franz (2017).
há duas portas
uma quarto sala
outra sala pátio.
a primeira me protege
e também isola,
a segunda tem me olhado
e trouxe pesadelo:
alguém bate
vou abrir
quem bate não deixa eu abrir.
não há pessoa batendo.
eu continuo puxando
desta vez com uma corda,
pra não chegar muito perto.
puxo com força
quem bate continua
puxando a corda do outro lado.
a coisa está ali.
a porta não abre
nem fecha.
da minha cama
vejo essa porta
(pensei até em mudar a posição da cama
para parar de vê-la
e de ser vista)
ela está quase sempre aberta.
agora é tarde,
continuo com ela aberta
porque quero ouvir
os barulhos dos meus
amores que estão no pátio.
e decidi olhar para ela,
ainda sinto medo,
mas gosto e prefiro
ouvir todos os barulhos
dos meus amores
que estão no pátio.
lembrei do amigo
que falou de um livro
em que a porta
é o lugar da poesia.
jano
“a porta-voz,
a porta-bandeira,
a porta-passagem,
a travessia que te dá acesso à imensidão,
que te leva ao ponto firme
e rijo da duração
no meio dessa vertigem ininterrupta…”
hoje vou dormir com elas abertas
porque quero ouvir
os barulhos dos meus amores
que estão no pátio.
eles também me protegem
“(japão, capital:
um espelho d’água
limpa
guarde a porta da tua casa
para que o outro se lembre
ao entrar
de permanecer do teu lado
de fora)”
_______________
Fotografia de “The long awaited” (2008), escultura de Patricia Piccinini, na exposição ComCiência, em Belo Horizonte (2016).
voltou o caminho como quem quer rebobinar a fita
para ver se algo passou
despercebido não visto
pensou que talvez devesse começar dizendo que enxergava mal
sempre teve a sensação de cegueira
aquela sensação de que alguma coisa está
sempre escapando
aquele sonho naquela rua escura só para você
que mesmo de olhos bem abertos não podia
enxergar nada
você também sente
que ao se mover
para fazer qualquer coisa tende
a mudar de direção
e acabar fazendo outra?
em quase todo momento
a mesma pergunta embora o tom
sofresse ligeiras alterações
de vez em quando preciso olhar
para o céu para descansar
as vistas
disse com uma ênfase que a si mesma surpreendeu
desejo poder sentir mais do que vejo
para além das previsões
tocar o chão
os limites
são muito reais
e não mais interessa
se é possível chegar às bordas
tudo bem
ver coisa onde não tem
continua
sendo vista de novo
significando sem parar
outra coisa
como quando você muda de direção
sem perceber
talvez o mais difícil seja
olhar
para este lugar
aqui
o que há aqui que eu não vejo?
como olhar para fora sem
se sentir desmembrado?
alguém já perguntou
de que forma manter vivas as diferenças?
agora o que eu faço é tentar
manter viva a diferença
atravessada
no olho
multiplicada pelos cacos
do espelho
interferida