Enxada
hoje, no jardim
tenho palavras novas
com a brutalidade de lâmina
nas raízes daninhas
que não tive forças
para arrancar com as mãos
Ariele Louise
Quando a gente garra
amor à terra
a dor da enxada é coisa pouca
a vaidade fica sossegada
dentro das botas de borracha
escondida nas luvas de trabalho
Quando a gente garra
amor à terra
a peste é tudo que se
arranca com as mãos
e a brutalidade está no fio preciso da
enxada
Quando a gente garra
amor à terra
sente o ego se esvair
devagarinho co’a chuva
lava a gente todo
por dentro
e o que sobra é aquilo que brota de cada
semente
Quando a gente garra
amor à terra
a pá, o restel e a
carriola importam mais
importa a chuva
importa o sol
importa a lua
que dá o tempo certo
pra podar, pra plantar
pra cortar o cabelo
importa a fogueira sob as estrelas do
mato
Queimamos tudo que secou
as folhas
os calendários
as agendas
o passado
(A vida mudou
em todos os sentidos)
Nos libertamos dos relógios
dos despertadores, das
notícias
Lutamos com ira de motosserra
contra o opressor
contra o ditador
contra as lagartas onipresentes
contra os crentes que viraram
céticos
Estamos afinados com os
quero-queros
os periquitos
as curucacas
e no centro do caos
ele abre os olhos e me
diz “Terra é liberdade”
semeia os sonhos do
amanhã
e acredita na comunidade
(em tudo que morre
no afã das horas
morre mais meu pensamento)
Temos os tons do barro
os matizes da cúrcuma
a lã que se faz fio
o frio que se faz manhã
que tece o pão
onde a mão é terra
porque após a guerra –
liberdade
mês II da quarentena