a alegria de ler waly

wal_gasol

       De início, as dúvidas (duvidar). Porque lemos um livro de poemas? E, ainda mais, porque ler o conjunto da obra? A “Poesia total” de Waly Salomão (Cia. das Letras, 2014)?

       Arrisco: um acúmulo de perdas, somadas constituem uma excrescência, um excesso vibrante (terremoto–maremoto?). Escrever é se vingar da perda. /Embora o material tenha se derretido todo, /igual queijo fundido.

       A diferença de ler o Waly, com relação a experiências anteriores de leitura de poesia que fiz, é o sentido marcante de estar convivendo com a materialidade de um corpo, com sua respiração, com seus gestos de mãos, seus ruídos, um timbre e um volume de voz muito próprios (plurais) que me chegavam ao longo das leituras… E esse corpo se metamorfoseava a cada livro, crescia, ampliando contornos e exibindo novos golpes a me interpelar sem, em nenhum momento, me conceder possibilidade da indiferença. O intrigante é que o convívio, ao se prolongar, despertava em mim a sensação do desconhecido, do estranhamento, de um encantamento assombrado: ele (eu) sempre outro – indefinível, instável, pulsante, escorregadio, provocador, desmedida.

       Waly não permite imunidade, assepsia, esterilização – é puro conta(to)gio, abundância, profusão, disseminação, polinização… por isso, percebo agora, não é assim tão surpreendente que sua leitura (co)mova encontros, ative o impulso de compartilhar e, mais, de celebrar, (con)fabular, como temos praticado (sonhado) nessa barca… e foi mais ou menos isso que ele tem me impulsionado desde o início: o passo em direção à festa-conversa. Um passo a mais, a cada poema (pedra) de toque: (ler e) cruzar a fronteira da (casa) cidade; lançar-me na viagem em direção à perda que alcanço a cada página virada. A temperatura sobe (desce) e a água (onda) evapora (quebra) – vapor barato pelo ar. Marinheiro da lua de lábios de sol, levou-me até o ponto preciso, no meio do mar, na fissura da barca: DESACEITAR O NAUFRÁGIO: (ainda) tenho (muita) fome de me tornar em tudo que não sou.

DEVENIR, DEVIR

Término de leitura

de um livro de poemas

não pode ser o PONTO FINAL.

Também não pode ser

a pacatez burguesa do

PONTO SEGUIMENTO.

Meta desejável:

alcançar o

PONTO DE EBULIÇÃO

Morro e transformo-me.

Leitor, eu te reproponho

a legenda de Goethe:

MORRE E DEVÉM.

MORRE E TRANSFORMA-TE.

Waly Salomão, Tarifa de embarque (2000)