mergulho

mergulho

Não há imunidade
consideramos números e dados
contemplamos o horizonte do tempo
a partir de nossas janelas
os dias são solares
o outono traz seu frio com amizade suave
os poucos ruídos da rua
convidam e repelem
a indesejada das gentes
brinca
ameaça tocar a campainha
a qualquer momento
baixar a curva
é o mantra social
escapar do invisível e do inominável

mergulho fundo no infinito particular
e muitas vezes desconfio que não haverá saída
que não haverá tempo ou desejo
abandonar esse mundo outra vez
e o delírio do convívio
com a outra a outra a outra a outra de mim
não é o mesmo
de quem tem fome frio falta

nada está sob controle
já dissemos tantas vezes
e agora essa frase ecoa na minha barriga
antes de dormir depois do despertar
sonho com viagens estradas aviões encontros
e vivo dormindo o que não é possível realizar
acordada
ironia do destino
você me chamando
amor acorda
aqui estamos
acorda
a lua cheia nasce do oceano outra vez
sussurra um acalanto
há mares de amplidões inexploradas
nuances na teia da vida
é preciso escutar o som que faz
o ar entrando e saindo dos pulmões
a onda que avança e recua
a dança atemporal
da plenitude e do vazio
silêncio, amor

o rio mais caudaloso

o rio mais caudaloso do mundo é o amazonas
aqui, nas nossas terras
desperto de um sonho que não tive
porque é sempre o mar
isso poderia ser uma pergunta

acho que todo mundo carrega
um pouco que seja
de sal
no peito
e a lembrança do fazer muito
com o pouco
que se tem
pra deixar grosso o caldo
caudalosa a vida é melhor

a minha amiga me disse
pra fazer um poema
com essa palavra
seria preciso criar
uma história pra ela
nada melhor pra isso
do que um rio, certo?

mas o amazonas é imenso demais
e eu só conheço histórias
sobre o mar
inventar dá muito trabalho
as pesquisas me dizem
sonhar com rio
sonhar que está nadando confiante no rio
sonhar que está nadando confiante no rio e a água é cristalina
é sinal de que a vida tá dando certo
mas como pode funcionar essa explicação
quando não só
é intenso o fluxo de água
mas também
você vai nadar
ou ser levado
por uma loooonga extensão
afinal o amazonas
além de ser o mais caudaloso
é um dos rios mais extensos do mundo
acho que isso não cabe em um só sonho

as pesquisas me dizem
é importante se perguntar
como é esse rio que se apresenta?
no sonho é possível
enxergar suas margens?
qual é a intensidade de suas águas?
é um rio largo ou um riacho?
como o ser que sonha se sente nesse rio?
há obstáculos?

me parece que não vai adiantar
responder nenhuma dessas perguntas
a água não se pode agarrar
despertar no amazonas
é pra quem tem sal nos pulmões

sal nos pulmões

a poesia não salva
sempre
às vezes
é preciso ancorar
outros mares
sacar coragem
de outros
lugares
às vezes
são precisas as nossas palavras
outras
perdemos poemas
no ônibus
no quarto
na geladeira
por gosto
porque a vida
pulsa

fico pensando se a poesia salvou Ana C
salvar é manter vivo?
salvar é deixar ir?
salvar é poço ou é mar?
um salve a ti
que com uma mão mata o dragão
e com a outra
abre o coração

quando eu era criança
as bandeiras da praia iam do amarelo ao negro
e os moços que as guiavam
eram chamados de salva-vidas

não existem mais bandeiras negras
na areia
a cor do perigo
agora
é vermelha
e os moços viraram guarda-vidas
perceba a diferença
entre salvar e guardar
a previdência é a bola da vez
vejam só a ironia
a previdência no mar
a previdência na terra
na lama

no dia 7 de fevereiro de 2017
eu me afoguei
no mar
foi tudo muito rápido
eu sabia nadar
eu tinha fôlego pra nadar
mas eu só conseguia gritar
o medo faz isso com a gente
nos afoga

os guarda-vidas eram dois
e foram muito eficientes
saí do mar com vida
saí do mar
com medo

eu não sei bem se foi a água salgada no pulmão
ou ainda a estranheza de saber-me viva
fora do mar
mas alguma coisa mudou
nesse dia
dizem que a proximidade com a morte faz isso com a gente
nos afoga
nos salva

a poesia não salga
sempre
porque nem sempre dá pra entrar no mar
nem sempre dá pra escrever
um poema bêbado
que nos traga a dor e a delícia de ser o que é
às vezes
é preciso
cair
cair
cair
e fazer da queda um passo
incontornável
às vezes
é preciso perder tudo
pra achar alguma coisa
é preciso ter consciência
para ter coragem

quando lembro daquele dia
no mar
com sal nos pulmões
penso que guardar é mais bonito que salvar
a gente guarda o que ama
e salva o que pode
a poesia não salva
a poesia
rompe.

Aquele astrólogo amigo da minha amiga estava errado, eu não tenho uma linguagem que fala para o mundo… ela, a linguagem – corpo de voz que sai de mim desconhecido, degredado e trôpego -, até tenta, mas não chega aos ouvidos, deve chegar aos ouvidos sim, mas então não chega além do órgão que recebe o som. Não chega no oceano interno de quase ninguém, sim ‘quase’ ninguém, porque às vezes toca algumas águas, devo admitir. O corpo de minha voz e as palavras que carrega de mãos atadas mergulha nas águas do caracol, as ondas se propagam no ambiente líquido de alguns outros corpos desavisados, insuspeitos, minha voz palavra parda não vai além, não alcança as células receptoras… fica boiando no oceano interno. E o que ouço depois, do meio do caminho, o que me chega quando encosto meu ouvido nesse caracol nessa concha é apenas o murmúrio ainda vivo e quente do meu sangue lodoso serpenteando os vasos.

O mar em mim linguagem para o mundo

escuta

esse sal na língua que só aumenta a sede.

 

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Havia uma proposta de falar do mar?

Havia uma proposta de falar do mar

Alguém poderia gravar o mar e me mandar?

Porque no momento padeço de falta

De instrumentos

É preciso tudo dizer

E é por isso que

Alguém vai dizer

Ela escreve tudo o que vem

A cabeça

É só isso

Pretensiosa escreve

Escrevo de novo

Sentada na pedra

Quente

Iguana gelada

que a tudo se adere

E é colorido à minha volta

Tem todas as cores a minha volta

O mesmo prolixo uroboros

Espiral de cores estrangulando

Meu canto

E a vida tem um

Amargo sabor

Doce demais

Tem sabores muito mais infinitos

Que a morte

Era pra falar de mar

Eu preciso levar meu caderno

A praia

Mas hoje alguém falou escreveu pensou

postou publicou compartilhou curtiu amou

Pagu

Sobre o mar

Monótono

Outro alguém ontem falou escreveu pensou

enviou um projeto roteiro cinema imagem coragem

Criou um personagem

Que deseja pular sete ondas

Para curar seu desejo

Pulou seis apenas

Reteve a sétima no ventre

Uma onda presa