Foto: Jorge Minella
Dear,
você me pergunta:
como vão as coisas?
escrevo como vão
as coisas:
de ar
são feitos meus sonhos
de novo, nada de novo debaixo do sol
de novo, nado, de novo debaixo da lua
agora
parto
agora mesmo, vou ficando tonta, vou perdendo
equilíbrio e sentido
maravilhoso escândalo: nasço!
com olhos fechados
procuro cegamente o peito
o leite grosso
de ar
que entra e sai
no pulmão-palavra
é feita
(às vezes sopro às vezes tranco a respiração até não aguentar mais daí respiro instintivamente chorando como quem respira pela primeira vez encho o oco do corpo de coro finjo que nasço nesse ato finjo que posso)
nessa rotina, ritual sagrado
escuto a ciranda que me cantas
sinto o embalo dos teus braços
canção de ninar, afago, contorno
não de todo retorno
ao útero
basta abrir os olhos
já forja o desafio da língua
as letras estrangeiras
e vice-versa.
sempre vice versa
de novo vício verso
vice verse
faz de conta que as letras fossem minhas
faz de conta que quando corto o cabelo
corto o cordão umbilical com a minha progenitora
sim, toda vez que cantas
o corpo dança
como quem pega uma lâmina e corta
se corta o próprio cabelo
na porta do pátio
uma porca no pátio
de pé com a mão
como quem prepara uma mala
se apronta pra viagem
não de todo retorno
à terra
homecoming
levar ou não levar
essa sujeita que guincha
com cascos sujos?
essa sujeira da língua
baba, resíduo de leite,
layers of dust, hair, skin
bactérias, pelos, ácaros?
(a voz da minha mãe me manda tirar o pó e varrer o chão – língua materna?)
lavar ou não lavar
essa sujeira que enche
a casa e o casco?
melhor a casca
melhor o cúmulo
perambular a poeira
como quem escreve uma carta
com o dedão do pé
perambular a poeira:
os contadores de histórias não imaginaram que a Bela Adormecida despertaria coberta por uma espessa camada de poeira?
eu contadora da história lembro que a bela adormecida acordou coberta de poeira.
e nesse dia recuperou no bolso do vestido um poema que tinha escrito há milhões milhões de anos atrás e dizia assim:
“me chamaste
porca?
…”
as traças roeram o resto
eu contadora de história poderia inventar um novo fim
mas faz de conta que essa é uma história sem fim
que fala do retorno
não de todo
ao
a
r