A língua das abóboras

Visto minha saia de outono pra falar da língua nova que aprendi.
Aqui na roça e, em todas as roças, o idioma é outro.
A vida é impiedosa.
A peste imperativa
e os xingamentos que escuto baixinho vindos da comunidade dos inços falam de resistir.
Dentro da ação de cada semente há sempre um tanto de dúvida e outro tanto de esperança.
Não é sobre a espera, mas sobre a ação da forma – trans-mutada – trans form ação.
Sabe aquelas sementes plantadas com uma gota de desejo em cada cova?
Vizinhas leguminosas, as abóboras morangas e cabotiás, essas que moram juntas, ensinam de sua forma e de sua doçura uma para a outra; egocêntricas entreolham-se para ver quem corre mais longe pelo chão ao se esparramarem sobre o território.
Aprender a linguagem da trans form ação, implica em territorializar.
Fincar estacas.
Colher abóboras.
Cortá-las em breves pedaços.
Cozê-las no tempo da lenha.
Abrir covas.
Adubar.
Sentir-se deus ao poder matar
as pragas e arrancar a peste.
Enquanto as abóboras, entregues à sua própria suculência dentro da panela, passam pela glória de correr para dentro de si mesmas.
Derretido todo o sumo, a polpa espessa aceita quente a dominação de quem transforma.
Fazer chimia é dominar um território 
alquimia secular.
Substância ouro que em borbulhas, açúcar, cravo, canela e gengibre surge no tempo arrastado da transfiguração.
É luxo, prazer e alegria.
Uma alegria assim, meio envergonhada como a gente da roça.
Envergonhada é a palavra abstrata que fala flecha direta ao tambor do coração,
certeira no rubor da face e enviesada no olhar.
A língua química atravessa todos os corpos da gente que é Terra.

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