Setembro

A primavera chegou assim…

infernal

trazendo tua primavera assim

no açoite de um vento descomunal

crivado de minúsculas estrelas

afiadas.

Chegou assim dilacerante

teus olhos nos meus errantes

a primavera chegou assim…

certeira

carregada do presságio que mora

nas minúsculas asas das formigas

aladas, rachando ao sol, aciduladas

corrosivas.

A primavera chegou assim…

no alforge teu natalício forrado

de oiro forjado o sanhaço, o curió,

o jacu que desperta as glaucas manhãs

extenuadas.

 

O traço é início e fim

Sei que devia começar pelo início, mas começo pelo fim. Me pego pensando onde o fim começa, onde nos perdemos. Em que esquina, em que avenida. Tendo a pensar que foi numa rua muito larga para os carros e estreita para quem anda a pé. Me pergunto qual pedra deixamos de pegar, qual bolha deixamos de assoprar, qual vento começou a sufocar. Busco minha medida do fim. O maleável que não tem fim nem começo, só mudança. A mudança é presente e acontecimento. Sei que a porta está ali, mas sei também que ela só abre se eu pego o trinco com força, se tomo ele pra mim. Entendo que estou só, mas que o mundo me abraça se eu abraço o mundo. Vejo o fim de perto. Afago suas rugas e manchas. Acolho suas intempéries. Sou folha e falha, fogo e fundo. Faço graça do medo e cubro o tempo com retratos da gente. Do que a gente foi e do que a gente é. Do que eu me tornei sem nós. Um se tornar tornado. Um assombro contínuo que rega e dissolve. Gosto de pensar na vida como um brócolis, com grandes talos firmes e raminhos que se multiplicam para cima e para os lados, em uma lógica singular. Volto pro fim. E percebo que o fim é início. Um início de devir. Uma bola de sorvete que escorre pela minha boca.