O que pode o amor em tempos pós românticos?

Hoje, porque me sinto mais livre do que sempre, resolvi escrever sobre amor. Mas não sob a perspectiva de um ideal de amor romântico, invasivo e devastador, falo de outra coisa. E falo pela fala de quem não tem falo. Do lugar da ausência e do excesso. De onde nos colocaram por tanto tempo. Pensar o amor em termos pós-românticos é como navegar no espaço, parece que falta o chão, o mar. Viver o amor em tempos pós-românticos é ainda mais estranho. Às vezes acho que estamos perdidos. Às vezes acho que estamos nos encontrando. Quase sempre acho que nós estamos nos encontrando e que eles estão perdidos. Mas há que se transpor o nós e eles, e tenho sérias dúvidas se estamos caminhando pra isso. Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? O tema é complexo.

A busca por liberdade talvez seja o que nos une na desconstrução do amor romântico. Mas liberdade é uma palavra polissêmica e ainda que seja um conceito, uma ideia, ela se realiza enquanto um sentimento, uma busca, um estado de espírito. Ser livre pode significar coisas diferentes para diferentes sujeitos, mas o sentimento de ser ou estar livre é desejado por todos e todas. Acho que a liberdade é como a felicidade: não é um lugar ou estado fixo, mas antes uma sensação, um desejo realizado, uma saciedade transitória.

Voltemos para o amor. Ultimamente, tenho ampliado minha ideia de amor. Na teoria, sempre soube que as várias formas de amor – amor materno, amor fraterno, amor sexo-afetivo, amor próprio – são diferentes lados do mesmo cubo mágico, mas como sou uma mulher numa sociedade patriarcal, aprendi a buscar um “grande amor”. Aprendi a cuidar do outro, a buscar um parceiro e entregar o que tenho de mais valioso nas mãos dele. Eu buscava essa entrega, essa fusão, essa experiência de me jogar de cabeça e de olhos fechados. E sempre me frustrei, por várias razões. Uma delas é que essa entrega não era recíproca, nunca foi. Os homens aprendem a amar as mulheres de uma forma bem diferente. Pra começar, fusão é uma palavra que não existe no dicionário amoroso deles. Que homem seria louco ao ponto de se fundir numa mulher? Isso não faz sentido pra eles. O homem aprende a se bastar. Aprende a manter sua liberdade em todos os tipos de relacionamentos, sejam eles sexo-afetivos ou não. Aprende a seguir seu caminho, haja o que houver. Porque sua masculinidade é boa e superior demais para se fundir em femininos obscuros. Porque seu poder de agência e de dominação precisa se impor. Afinal, alguém tem mandar nessa porra, né?

Os relacionamentos sexo-afetivos são terrenos de disputas, mesmo quando não aparentam ser. Eles seguem a lógica da competição e da dominação, própria da sociedade capitalista ocidental. É claro que há diferenças se considerarmos as questões regionais, nacionais, geracionais e os diferentes modelos de relações hetero e homoafetivas. Mas todos os relacionamentos estão inscritos nessa mesma sociedade, logo, todos sofrem a  inegável influência, em maior ou menor grau, do modo operandis patriarcal.

Mas parece que o momento é propício para desconstruções. As pautas feministas se impõe e a crescente projeção das mulheres nos espaços públicos e privados parece um caminho só de ida. A desconstrução da casa é tão ou mais difícil do que a desconstrução da rua e elas precisam andar juntas. A desconstrução de si se torna urgente e um convite à desconstrução do outro [pelo outro]. Destruir o outro é possível, desconstruí-lo, não. Só ele pode fazê-lo. E é por isso que o privado também é político, logo, público. É por isso que o amor também é político.

Desconstruir a ideia de amor romântico não é um processo fácil, ainda que urgente. Nem sempre é bonito – não tem que ser. Nem sempre é amoroso – às vezes, não pode ser. Nem sempre é prazeroso, embora muitas vezes seja, mas é sempre libertador, é sempre potente e é sempre feminista.

Nas sociedades contemporâneas, não existe mais espaço para UMA forma de ser mulher, UMA forma de ser homem e NENHUMA forma de ser qualquer outra coisa que se queira ser, ainda que forças conservadoras tentem nos convencer do contrário. As possibilidades são muitas, os desejos são muitos, os sujeitos são múltiplos.  A sede por mudança transborda. E se tem algo que segue constante é a busca pelo amor, mas o amor, assim como a liberdade, é polissêmico. É volátil,  pesado, corrente. É doce, amargo, ácido e adstringente. É encontro, aceno e despedida. Pode nos matar, pode nos salvar. E no meio do caminho, pode muito mais.