raízes feridas

arte de Luzia Rocha

Em cada rincão desta terra, limite medido à colônias hereditárias, frestas
por onde o odor azedo de esterco passa
há uma gota de sangue
um sinal de cansaço
um sabor de desgosto.

É preciso, sempre dissimular e limpar…

avidamente a roupa com esfregão – mancha é preguiça. Limpar o mato alto que é sujeira,
o terreno das árvores, as plantas dos pulgões, das lagartas, a parreira da doença que ela ainda
não tem. Limpar a carne da sujeira do desejo porque ócio é desleixo. Livrar o corpo da dor
constante como a sujeira que diariamente surpreende, a sujeira, não a dor.

É que o esfregão, o lava-jato, a roçadeira, a motosserra, o trator, o pulverizador, e o patriarca
roncam e zunem ferozmente

porque é preciso a todo instante dissimular…minha voz altiva…

É que nesta cada tão minha quanto o tempo do pinheiro contíguo me diz
nesta terra tão eu quanto sua altura imponente
tenho raízes feridas.

Caminho a passos pesados através do mato salvo dentro das botas de borracha. Caminho lento
por entre contratos assumidos, assinados, território expropriado – meu corpo.

Será preciso anos de esquecimento até que em cada confim desta terra já não haja
na morte e na vida
rastros de rancor nem gotas de veneno.

À hora magenta do dia
tenho raízes feridas
sou terra judiada
sonhando em rebrotar.