Poema pras’amiga (pastiche da Quinta Santa Maldita)

O riso que jorra forte

da mordaça de sua boca

rasga o retrato bem

comportado da moça.

 

Abrasadas

Amélia e Dona Adelaide

comem da placenta

contra a própria reputação.

 

Braba e suja agora, é a mulher.

Duras Florbelas

falam de amor

falam de deus

de seus corpos flechados, possuídos pela poesia

Cosa casi sagrada.

 

Foram vários tiros,

Meretrizes.

Depois de tanto verbo a pessoa morre.

Esse cadáver

insulto público

pega a maldita!

 

Dis(puta)

no trecho vertiginoso.

Sempre se esvai uma ferida de dentro.

Meu glorioso pecado

te absorvo, te secreto

mereço, merecemos.

 

Mulheres de Jerusalém

Tentáculos, mandíbulas, vórtices.

Mulheres de Desterro

a pele assaltada de indecisão e

o corpo vai à frente do pensamento.

 

A escrita da luz

A lucidez é histérica

lima periférica.

A lentidão do boi na

vida marginal do milho.

A gente nasce de um grito e mesmo assim têm medo da dor

(dita)dores

dis(puta)m

enquanto dormimos com um martelo embaixo do travesseiro

porque não cabe tudo em apenas um buraco negro da noite.

publicar pra que(m)?

Amelia_de_oliveira

 

Amélia de Oliveira foi noiva de Olavo Bilac, e quando publicou seus primeiros versos, recebeu uma carta do amado. Pensamos que esse texto apresenta uma das muitas respostas possíveis à pergunta “Por que as mulheres publicam menos que os homens?”.

São Paulo, 7 de fevereiro de 1888

Minha Amélia,

Antes de tudo, quero dizer-te que te amo, agora mais do que nunca, que não me sais um minuto do pensamento, que és a minha preocupação eterna que vivo louco de saudade. Já te disse que há mais de dois meses tinha eu vontade de te escrever em liberdade, para coisa urgente. Trata-se sito: não me agradou ver um soneto teu no Almanaque da “Gazeta de Notícias” deste ano. Não foi o fato de vir em um almanaque o soneto que me desagradou: desagradou-me a sua publicação. Previ logo que andava naquilo o dedo do Bernardo ou do Alberto. Tu, criteriosa como és, não o farias por tua própria vontade. Folguei muito, depois, vendo a minha previsão confirmada por D. Adelaide. Devo confessar que fui o primeiro a insistir contigo para que publicasses versos. Cheguei mesmo a dar alguns aqui, no “Mercantil. Fiz mal. Arrependi-me. Hás de concordar comigo. Há uma frase de Ramalho Ortigão, que é uma das maiores verdades que tenho lido: — O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida. — Não é uma grande verdade? Reflete sobre isto: há em Portugal e Brasil cem ou mais mulheres que escrevem. Não há nenhuma delas de quem não se fale mal, com ou sem razão. Além disso, quem publica alguma coisa fica sujeito a discussão, cai no domínio da crítica. E imagina que mágoa a minha, que desespero meu, se algum dia um miserável qualquer ousasse discutir o teu nome! Eu, que chego a ter ciúme do chão que psas, eu que desejava ser a única pessoa que te pudesse ver e amar, – ouvir discutido o teu nome. Ainda há bem pouco tempo, em São Paulo, um padre, escrevendo sobre Júlia Lopes, insultou-a publicamente. Eu nada tinha com isso. Mas tratava-se de uma senhora e mulher de um amigo meu: tive vontade de esmurrar o padre. E sem razão. Sem razão, porque uma senhora, desde que se faz escritora, tem de se sujeitar ao juízo de todos. Não quer isto dizer que não faças versos, pelo contrário. Quero que os faças, muitos, para os teus irmãos, para as tuas amigas, e principalmente para mim, — mas nunca para o público, porque o público envenena e mancha tudo o que lhe cai sobre os olhos.

Teu noivo Olavo Bilac.

 

(ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de Romance: as mulheres e o exercício de ler e escrever no entresséculos (1890-1930). Rio de Janeiro: Topbooks, 2005.)

A.I. A.I. A.I.

IMG_1413Adelaide Ivánova dorme
com um martelo embaixo
do travesseiro
apenas por precaução
há penas
há duras penas
no seu colchão

Adelaide Ivánova não tem medo de morrer
e
por isso
abre o seu bocão

ela sabe que espera
ela sabe quem
espera na espreita
na cela
do seu coração

se Adelaide Ivánova fosse uma casa
ela teria tijolos
à vista
e na porosidade de sua tez
sujaríamos as mãos de vermelho

foi golpe!


índia esquerdinha
que adora gay.
tu adoraria ter um sobrinho gay, né?!
riso dos outros.
jean wyllys.
laerte.
olha que coisa interessante
aí eu sou a jean wyllys.
deixa ela, a louquinha.
extremamente violento.
eu vou amparando
pairando
com amor em excesso.
com amor e excesso.
não sei.
mas é isso.
nesta instância
pública e privada.
discutir com meus professores
(com a polícia,
com todo tipo
de fascista)
em todas as instâncias.
se eu não conseguir
discutir com meu primo?
com quanto tu comparece?
materialmente falando.
passa um recibinho.
quer pagar uma aula do resultado?
tu te baba com meu amorzinho!
tô ali contigo
tô ali em todas
permanentemente.
pode me chamar de louca!
eles não tão
rindo de mim, mãe,
eles não tem mais argumento.
quando eles não conseguem mais,
eles tentam me desestabilizar.
eles não tão rindo de mim, filha,
eles atiraram em mim.
depende da nossa disposição.
tem mil coisas ao nosso redor
a vida é tão milagrosa
tão urgente.
tá lindo esse desenho, hein?!
esse cadáver
um morto esquisito.

___________________________________

Falação-escrita-coletiva, 10 a 15 de março de 2018.

Meanwhile nightmare

Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas

E buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas.

Hilda Hilst

Estará Lu dormindo um sono denso naquela cama santuário sonhando um sonho unicórnico ao lado de seu homem de vísceras quentes que sonha um sonho sólido enquanto Luna dorme um sono inquieto crivado de sonhos luxuriosos e adolescentes? Estará Elisa afundada em sua câmara suave de soberana de Tiro sonhando só um sonho musical repleto de versos verdes? Estará Ana dormitando em pensamentos febris inquieta ao lado de seu homem jovem que sorri enquanto dorme? Estará Juliana Ben – a preia – dormindo agora? Estará ela loba perfurando todos e tudo com seu olhar? Estará Ju Pera dormindo em sua cama estrela sonhando com um amor para ser seu sonhando de longe um amor tão perto? Estará MaeIara dormindo agora? Estará ela alimentando de leite o filho na imensa cama onde cabe o mundo enquanto olha seu homem na delícia do último sono da aurora? Estará Mai sonhando sonhos automáticos? Estará Ariele deitada insone em sua cama estreita cama onde cabe o mundo mas não basta para sonhar? Estará ela pensando demasiadamente em Wilma? Estarei num exercício de sonho sonâmbula perambulando calada surda cega pelos cômodos abarrotados de saudades de tudo que é tipo e tamanho?

poema farrapo (ao Mano)

Rasgo, remendo

fiapo, trapo

poesia pobre

do pano velho.

Dependurada

reluz em todo seu

esplendor

de faixa

gasta

gaze consumida.

 

A vida cansada do trapo

veste o vento nervoso,

incorpora em gelo

o frio cadevérico

das horas.

 

A vida gasta do pano

despe aos rasgos

o muco, limpa a

baba, o cuspe,

as gotas de sangue.

 

A vida inútil do fiapo

suja à mesa o belo

prato, engasga a

tubagem.

 

Pênsil, o velho pano

em frágil poema

figura

aos restos limpa melhor

de remendo em remendo,

persiste.