publicar pra que(m)?

Amelia_de_oliveira

 

Amélia de Oliveira foi noiva de Olavo Bilac, e quando publicou seus primeiros versos, recebeu uma carta do amado. Pensamos que esse texto apresenta uma das muitas respostas possíveis à pergunta “Por que as mulheres publicam menos que os homens?”.

São Paulo, 7 de fevereiro de 1888

Minha Amélia,

Antes de tudo, quero dizer-te que te amo, agora mais do que nunca, que não me sais um minuto do pensamento, que és a minha preocupação eterna que vivo louco de saudade. Já te disse que há mais de dois meses tinha eu vontade de te escrever em liberdade, para coisa urgente. Trata-se sito: não me agradou ver um soneto teu no Almanaque da “Gazeta de Notícias” deste ano. Não foi o fato de vir em um almanaque o soneto que me desagradou: desagradou-me a sua publicação. Previ logo que andava naquilo o dedo do Bernardo ou do Alberto. Tu, criteriosa como és, não o farias por tua própria vontade. Folguei muito, depois, vendo a minha previsão confirmada por D. Adelaide. Devo confessar que fui o primeiro a insistir contigo para que publicasses versos. Cheguei mesmo a dar alguns aqui, no “Mercantil. Fiz mal. Arrependi-me. Hás de concordar comigo. Há uma frase de Ramalho Ortigão, que é uma das maiores verdades que tenho lido: — O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida. — Não é uma grande verdade? Reflete sobre isto: há em Portugal e Brasil cem ou mais mulheres que escrevem. Não há nenhuma delas de quem não se fale mal, com ou sem razão. Além disso, quem publica alguma coisa fica sujeito a discussão, cai no domínio da crítica. E imagina que mágoa a minha, que desespero meu, se algum dia um miserável qualquer ousasse discutir o teu nome! Eu, que chego a ter ciúme do chão que psas, eu que desejava ser a única pessoa que te pudesse ver e amar, – ouvir discutido o teu nome. Ainda há bem pouco tempo, em São Paulo, um padre, escrevendo sobre Júlia Lopes, insultou-a publicamente. Eu nada tinha com isso. Mas tratava-se de uma senhora e mulher de um amigo meu: tive vontade de esmurrar o padre. E sem razão. Sem razão, porque uma senhora, desde que se faz escritora, tem de se sujeitar ao juízo de todos. Não quer isto dizer que não faças versos, pelo contrário. Quero que os faças, muitos, para os teus irmãos, para as tuas amigas, e principalmente para mim, — mas nunca para o público, porque o público envenena e mancha tudo o que lhe cai sobre os olhos.

Teu noivo Olavo Bilac.

 

(ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de Romance: as mulheres e o exercício de ler e escrever no entresséculos (1890-1930). Rio de Janeiro: Topbooks, 2005.)

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